terça-feira, 10 de maio de 2011

Serão Literário com Luis Serguilha Comentário de Michel Monteiro

Na última 2ª. feira, 25/04, teve lugar mais uma edição do Serão Literário, tendo como convidado o poeta português Luis Serguilha, que lança, entre nós, sua obra mais recente: KOA’E.
Luis Serguilha desenvolveu, inicialmente, o conceito de “transmigração”, um de seus objetivos com a vinda ao país. Diz respeito à troca de ideias, ao diálogo cultural em linhas gerais, ou poético no caso específico, entre Brasil e Portugal. Fez menção a de outrora entre Mário de Sá-Carneiro ou Fernando Pessoa com Carlos Drummond de Andrade, entre Antonio Viera e Tomás de Aquino, entre outras, sem deixar de discorrer sobre fatores históricos, políticos e editoriais que dificultam essa relação nos dias hoje.  Enfim, o que ficou foi um entusiasmo claro da parte de todos, no sentido de que a tal “transmigração”, com efeito, pudesse vingar.
Porém nada disso se viu no que veio a seguir, com o poeta a expor seu ponto de vista sobre o fazer e o fruir poéticos.  O anfiteatro, repleto de leitores em potencial. Ou dotados de cegueira, como os vê o poeta, para quem a única consideração para com o público, ao criar, é juntamente que “o leitor está carregado de cegueira”. Consideração feita, partiu para conceitos de Física Quântica, Biologia, Arqueologia, para explicar que tudo está em tudo e “contaminado por tudo”, como na relação cósmica, na relação da natureza consigo mesma, na relação humana, na relação entre os gêneros literários e na relação híbrida entre as artes. Para ele, o ato criativo é “animalescamente violento”, violência do corpo contra a matéria, do eu contra o eu-mesmo, um ato primitivo. Vale retificar o que afirmei no início deste parágrafo: pouco-ou-quase-nada se disse acerca do fruir poético.
Quando partiu para a leitura de algumas “imagens” – Serguilha não fala em versos – de KOA’E, ecoou pelo anfiteatro uma verborragia percussiva, para fazer uso da formulação de um escritor citado na noite, “cheia de som e de fúria e sem sentido algum”. A lembrar os delírios de Benjamim ou o idiota de Faulkner. Só que, no caso, a voz não era a de um idiota – não assumidamente, pelo menos –, mas uma voz bem vestida por um vasto vocabulário cósmico. O problema é que tal vestimenta se revela rochosa, quase impossível de ser penetrada pelo leitor, o que lhe permitiria um furtivo mergulho na profundidade da obra. Sem esquecer de que estamos a falar de seres “carregados de cegueira”. Difícil essa vida de leitor.
Se clara ficou a boa intenção da “transmigração” Brasil/Portugal, claro ficou também um desejo elitista de ruptura. Escuro, invisível e inaudito, porém, restou o diálogo entre a obra e o ouvinte/leitor, a mais fundamental das “transmigrações” em se tratando de arte. Vale apostar, no entanto, em que a escura cegueira que ocupava as cadeiras da platéia, esta a melhor das hipóteses, possa ter se tornado mais clara, mais saramaguiana.

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