terça-feira, 31 de maio de 2011

Serão Literário com Cláudio Willer


Dando continuidade aos encontros de 2011, o Serão Literário traz Cláudio Willer.
O autor nasceu em São Paulo, onde reside, em 1940. Seus vínculos são, principalmente, com a criação literária mais rebelde e transgressiva, como aquela representada pelo surrealismo e geração beat. Poeta, ensaísta e tradutor, possui formação acadêmica como sociólogo (Escola de Sociologia e Política) e psicólogo (Instituto de Psicologia – USP). Atualmente, faz doutoramento em Letras Comparadas, DLCV-FFLCH-USP.
Willer publicou os seguintes livros, além da publicação em  diversas antologias e publicações coletivas: Anotações para um Apocalipse, Massao Ohno Editor, 1964, poesia e manifesto; Dias Circulares, Massao Ohno Editor, 1976, poesia e manifesto; Os Cantos de Maldoror, de Lautréamont, 1ª edição Editora Vertente, 1970, 2ª edição Max Limonad, 1986, tradução e prefácio; Jardins da Provocação, Massao Ohno/Roswitha Kempf Editores, 1981, poesia e ensaio; Escritos de Antonin Artaud, L&PM Editores, 1983 e sucessivas reedições, seleção, tradução, prefácio e notas; Uivo, Kaddish e outros poemas de Allen Ginsberg, L&PM Editores, 1984 e sucessivas reedições, seleção, tradução, prefácio e notas; nova edição, revista e ampliada, em 1999; edição de bolso, reduzida, em 2.000; Crônicas da Comuna, coletânea sobre a Comuna de Paris, textos de Victor Hugo, Flaubert, Jules Vallés, Verlaine, Zola e outros, Editora Ensaio, 1992, tradução; Volta, narrativa em prosa, Iluminuras, 1996, segunda edição, 2002; Lautréamont - Obra Completa - Os Cantos de Maldoror, Poesias e Cartas, edição prefaciada e comentada, Iluminuras, 1997; segunda edição em 2003.
Cláudio Willer também ocupou diversos cargos e funções em  administração cultural, foi assessor na Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, responsável por cursos, oficinas literárias, ciclos de palestras e debates, leituras de poesia, de 1994 a 2001; e participou de dezenas de congressos, seminários, ciclos de palestras, apresentações públicas de autores, etc, no Brasil e no exterior. 
Atualmente, é Presidente da União Brasileira de Escritores, UBE -cargo que já exerceu em dois mandatos anteriores (1988 a 1992)- tendo sido eleito em março de 2000 e re-eleito em março de 2002. Foi também secretário geral da UBE em outros dois mandatos (1982-86), e presidente do Conselho da entidade (1994-2000). Publicou recentemente o livro de poesia Estranhas Experiências e o ensaio A Poesia Surrealista.
Segunda, 13 de junho, 20h no Anf. A da Fclar. Participe!


terça-feira, 10 de maio de 2011

Serão Literário com Luis Serguilha Comentário de Michel Monteiro

Na última 2ª. feira, 25/04, teve lugar mais uma edição do Serão Literário, tendo como convidado o poeta português Luis Serguilha, que lança, entre nós, sua obra mais recente: KOA’E.
Luis Serguilha desenvolveu, inicialmente, o conceito de “transmigração”, um de seus objetivos com a vinda ao país. Diz respeito à troca de ideias, ao diálogo cultural em linhas gerais, ou poético no caso específico, entre Brasil e Portugal. Fez menção a de outrora entre Mário de Sá-Carneiro ou Fernando Pessoa com Carlos Drummond de Andrade, entre Antonio Viera e Tomás de Aquino, entre outras, sem deixar de discorrer sobre fatores históricos, políticos e editoriais que dificultam essa relação nos dias hoje.  Enfim, o que ficou foi um entusiasmo claro da parte de todos, no sentido de que a tal “transmigração”, com efeito, pudesse vingar.
Porém nada disso se viu no que veio a seguir, com o poeta a expor seu ponto de vista sobre o fazer e o fruir poéticos.  O anfiteatro, repleto de leitores em potencial. Ou dotados de cegueira, como os vê o poeta, para quem a única consideração para com o público, ao criar, é juntamente que “o leitor está carregado de cegueira”. Consideração feita, partiu para conceitos de Física Quântica, Biologia, Arqueologia, para explicar que tudo está em tudo e “contaminado por tudo”, como na relação cósmica, na relação da natureza consigo mesma, na relação humana, na relação entre os gêneros literários e na relação híbrida entre as artes. Para ele, o ato criativo é “animalescamente violento”, violência do corpo contra a matéria, do eu contra o eu-mesmo, um ato primitivo. Vale retificar o que afirmei no início deste parágrafo: pouco-ou-quase-nada se disse acerca do fruir poético.
Quando partiu para a leitura de algumas “imagens” – Serguilha não fala em versos – de KOA’E, ecoou pelo anfiteatro uma verborragia percussiva, para fazer uso da formulação de um escritor citado na noite, “cheia de som e de fúria e sem sentido algum”. A lembrar os delírios de Benjamim ou o idiota de Faulkner. Só que, no caso, a voz não era a de um idiota – não assumidamente, pelo menos –, mas uma voz bem vestida por um vasto vocabulário cósmico. O problema é que tal vestimenta se revela rochosa, quase impossível de ser penetrada pelo leitor, o que lhe permitiria um furtivo mergulho na profundidade da obra. Sem esquecer de que estamos a falar de seres “carregados de cegueira”. Difícil essa vida de leitor.
Se clara ficou a boa intenção da “transmigração” Brasil/Portugal, claro ficou também um desejo elitista de ruptura. Escuro, invisível e inaudito, porém, restou o diálogo entre a obra e o ouvinte/leitor, a mais fundamental das “transmigrações” em se tratando de arte. Vale apostar, no entanto, em que a escura cegueira que ocupava as cadeiras da platéia, esta a melhor das hipóteses, possa ter se tornado mais clara, mais saramaguiana.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Na abertura dos trabalhos, depois de apresentar o poeta Luis Serguilha e ressaltar a importância de sua presença entre nós, o coordenador do projeto Serão Literário aludiu à insuficiência do intercâmbio cultural entre Brasil e Portugal. Com seu acento lusitano, o convidado tomou como ponto de partida a fala do apresentador, aproveitando para enaltecer alguns autores que lutaram para que esse intercâmbio se intensificasse.
Em seguida, ele justificou porque só falaria da poesia em geral.
KOA'E, nome do livro que o poeta lança entre nós, também é o nome de uma cidade submersa do Havaí. Para ele, poesia também é isso: um terreno submerso. Mas é também o nome de uma ave da Indonésia, considerada uma espécie de tótem, que, segundo Serguilha, tem relação com o lado cósmico da poesia.
No seu entender, a poesia caminha para uma “homogeneização”. E há dificuldade em ousar e expandir a poesia para outras áreas. Por isso mesmo, ele pondera, sua poesia tem poucos admiradores.
Feitas essas considerações, o autor passou à leitura de seus poemas: Vadarak. Sua leitura, sua entonação, ele diz, pretende dar a perceber a musicalidade, a dança e a violência, elementos que considera essenciais para a poesia.
 Reafirmando sua ideia de que poesia deve se expandir em direção a outras formas de arte, ele comenta sobre atores que já leram e interpretaram esse mesmo poema, como Vera Barbosa.
Terminada a exposição e feitas algumas leituras de poemas, o microfone foi aberto às perguntas da platéia. À primeira pergunta que lhe foi dirigida, sobre se seus poemas demandavam a leitura em voz alta por parte do leitor, ele respondeu que sim, que isso permitiria uma volta ao arquipoema, ao poema em seu início, acrescentando ainda que há uma necessidade de “cantar e dançar” seus textos, que alguém já chamou de “partituras”.
No que se segue, tento reproduzir algumas das perguntas e as respostas a elas oferecidas pelo poeta.

Você diz que sua poesia não é para ser compreendida, que foi exatamente uma das críticas feitas ao Haroldo de Campos de “Galáxias”. Em resposta, Haroldo terá dito: “No futuro, minha poesia vai servir como mapa para as navegações espaciais.” Como entende essa afirmação?
Os poemas cartografam a ambivalência do ser humano. Shakespeare nos falou disso: o ser ou não ser. Eu vejo o poema como multifacetário, que mais destrói do que constrói, que cria  desastres, apenas porque é preciso sempre tornar a reconstruir.
Aproveitando o ensejo, as professoras Márcia Gobbi e Maria Lúcia tomam a palavra para agradecer a presença do poeta e comentar sobre a presença de poetas portugueses na Faculdade de Ciências e Letras, como Jorge de Sena ou Casais Monteiro. A professora Maria Lúcia comentou sobre a forte impressão que lhe havia causado a leitura feita por Serguilha, autor, segundo ela, de uma poesia forte, musical, moderna e órfica ao mesmo tempo, em diálogo com a tradição poética.
Foi o ensejo para que ele procedesse à leitura de mais uma “imagem” do livro em lançamento, seguida de nova abertura às perguntas da plateia.

Você nunca fala em “versos”, mas em “imagens”. Como situa a papel do poeta, como criador de imagens, num mundo que é inteiramente voltado para a produção e o consumo de imagens?
Fazendo uso do procedimento da montagem, o poeta produz conjunções de imagens que habitam o consciente e o inconsciente. Também como leitores, projetamos todas as nossas experiências no texto, assumimos também o papel de criadores, produtores de novas imagens, de novos textos.
O livro é isso mesmo: paixão, intensidade, desejo interminável, porque o homem não é fechado. Se fosse, seria um desastre. O homem é aberto ao cosmos. Tento fazer o homem falar com a natureza.

Tendo como ponto de vista a unidade cósmica, a homogeneidade não seria natural?
A arte é uma tensão entre contrários. A homogeneização causa involução, infantilização. Há a necessidade de criar desastres. Nunca atingimos a clarividência. O homem não tem preparo para aguentar isso, por isso cria simulacros. A arte cria simulacro atrás de simulacro, e é aí que talvez esteja a verdade. A homogeneização é fruto de muito ruído.

Há um escritor que diz que para criar é preciso ter dor, remoer as coisas muitas e muitas vezes. Nisso, o escritor fica sozinho. O que você acha disso?
Nosso corpo é dor. Nós só temos notícia disso quando dói fisicamente. A palavra é incicatrizável porque está dentro de um corpo incicatrizável. E é aí que está a dor. Não acredito em poesia de sentimentos, acredito em poesia feita de energia, e nela está contida a violência. Essa poesia de sentimentos não projeta a violência, a crueldade que está na poesia. Clarice escrevia como grito, que está dentro do corpo. Enquanto existir esse grito, eu mesmo não pararei de escrever. As pessoas fogem disso, têm medo de estar no centro de si próprias, vivem na periferia de si mesmos. É como se tivéssemos um monte de livros para ler e só os usássemos para enfeitar a casa. Os poetas que ousam, que atingem essa loucura, esses são reprimidos.

Você, quando declama, enfrenta ou dignifica a palavra que conquistou?
Eu vejo a palavra num processo de experimentação, numa ambiguidade absoluta. Nunca escrevo para o leitor. Escrever para o leitor é pensar nele, e isso não seria respeitar a palavra. A poesia é libertária, não está a serviço de ninguém, nem do possível leitor. A obra está aí e, se tiver consciências que se dignem a recebê-la, é bom, espero que haja muitas.

Como é a precedência de som e do sentido na sua forma de composição?
É difícil de explicar isso. É uma composição jazzística, como também é Bach, que, sendo barroco, mesmo assim possui um rigor imenso. Mas nas minhas imagens também há o tribal e o flamenco. Talvez essa sonoridade misturada seja projetada no corpo da poesia. Digo talvez, pois eu não consigo explicar. Essas coisas não se sabem.

Quando você sente que a imagem, a pintura que você está fazendo se esgotou?
Poesia é fogo construtório. Esse fogo construtório é interminável. Estes textos – diz, apontando para um dos volumes de KOE’A, sobre a mesa – seriam portadores de vários outros textos. Eles podem pode ser lidos em várias direções. É possível criar várias arquiteturas, várias leituras, isso é interminável.

 É tão envolvente seu trabalho! Quando é que você para? O texto para de provocar desejo, é isso?
O texto está dentro de mim, nunca sai de mim. Eu escrevo com o meu corpo. O corpo que cria desastres. O livro está a salvo quando se acha um leitor.

Antes do encerramento, Serguilha ainda acatou a sugestão de que o fizesse com a leitura de mais uma “imagem”. Do mesmo livro em lançamento, ele escolheu Hangar 7


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