quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Serão com Claudio Willer, aos olhos de Thiago Mathias Fajardo Custodio.


Quem esteve no Serão Literário do dia 13 de maio último teve a oportunidade de co-existir com Cláudio Willer, que, tendo sido apresentado como manda o protocolo, rapidamente ganhou vida perante o microfone, de onde despejou sobre os espectadores alguns baldes de poesia.  Leitor/declamador inspirado de seus próprios poemas, de sua voz brotavam imagens que contêm, como ele gosta de dizer, pedaços de realidade. Assim, um varal com roupas ao sol do meio dia, ruínas persistentes que observam fantasmas através dos tempos e uma praia de ilha, ficou sendo esse o cenário dos que ocupavam o anfiteatro.  Mas foi um verso muito especial que, muito provavelmente, terá “cutucado” tantos ouvidos: “Poesia é despreocupação.”
Pois esta  despreocupação  se vê  de fato na poesia de Claudio Willer, sensível na fluência do ritmo, acho que podemos dizer “narrativo”, de seus poemas, na tranquila sucessão de imagens compostas de elementos aparentemente distantes, ou na perceptível liberdade da linguagem que, segundo o  próprio autor, é capaz de construir significados. Que não se tome, no caso, a “despreocupação” como sinônimo para “desleixo”. Ao contrario, e ninguém terá ficado em dúvida a respeito, a concentração no momento presente, a vivência plena  de cada experiência e o olhar atento para as efemeridades do dia-a-dia se constituem em preceitos básicos desse “estado de tranquilidade”. Não se deve ao acaso, e o poeta lembraria outro grande poeta, Octavio Paz, a semelhança com o Budismo e outras vertentes filosóficas orientais.
Lidos os poemas, teve início o bate-papo, na atmosfera descontraída que o Serão Literário tem sabido cultivar.  Sempre surge uma questão mais forma, mas nunca a ponto de interromper o fluxo harmônico da “roda” de bate-papo.  Assunto não faltou. Dos festivais de literatura na Colômbia e na Venezuela, de que o poeta tem participado, aos acertos do Serão araraquarense, ao colocar o texto em primeiro lugar. Dos surrealistas aos poetas da “segunda vanguarda”, a geração beat americana, de Kerouac e Ginsberg a Leminski, das experiências psicodélicas ao inevitável intertexto que é a vida. E houveram provocações à burocracia acadêmica e ao stablishment literário, com a pregação de uma renúncia à poética cabralina, que talvez, dada a calma do recinto, não geraram  tumultos.
Ao despedir-se, o poeta nos deixou com a promessa de um retorno em breve, talvez para uma ofícina de poesia,  e de um papo sobre São Thomé das Letras e Artaud.  Aguardaremos.
Pelo anfiteatro, terá ficado o eco da gargalhada do poeta, ao ser questionado sobre as relações entre política e literatura. “Reservo o direito de contradizer-me”, foi o que ele disse, contido o riso, quase como um enigma.
Os presentes certamente terão deixado o recinto como eu, com a sensação de ter vivido uma troca de ideias. Mais recebemos que doamos, é certo, mas, nas outras oportunidades que virão, já estaremos mais equipados para a troca. Pois para isso serve o Serão, para isso serve, a presença, entre nós, de poetas do porte de Claudio Willer. Ficamos com o sentimento de que este Serão na certa renderá bons frutos, posto ter adubado as mentes que ali fizeram por merecê-lo.

domingo, 4 de setembro de 2011

Serão Literário com Abdulai Sila e Zetho Cunha Gonçalves

Na terça-feira, 9 de agosto de 2011, aconteceu o primeiro Serão Literário do semestre, quarto do ano, com dois dos mais destacados autores africanos de língua portuguesa: Abdulai Sila e Zetho Cunha Gonçalves.
Feitas as apresentações, o primeiro a tomar a palavra foi o escritor guineense Abdulai Sila, autor de A útima tragédia, romance lançado entre nós pela Pallas Editora, do Rio de Janeiro, em 2006. Falou muito brevemente sobre sua obra e sobre seu contato com o educador brasileiro Paulo Freire, que, depois da independência da Guiné-Bissau do domínio português, coordenou as “brigadas de alfabetização” das quais participou, tendo sido esse o seu primeiro emprego.
De fala muito mansa e de pouco volume, o escritor mostra extrema humildade, atribuindo tudo o que criou em seu país como obra coletiva. Sobre o nome da editora da qual é co-fundador, a Ku Si Mon,  que em criolo significa “por suas próprias mãos”, esclareceu que ele é formado pelas primeira sílabas dos nomes de cada um dos sócios-fundadores: Fafali (KU)duwa, Abdulai (SI)la e Teresa (MON)tenegro.
Em resposta à pergunta sobre o que significa escrever e editar livros num país com taxa tão alta de analfabetismo, Sila respondeu com uma bela lição de vida, que tento reproduzir de oitiva: “Meu pai me ensinou muita coisa, mas essa foi a maior lição: há duas coisas principais na vida de um homem: o que se deve fazer e o que se gosta de fazer. Confundimos, muitas vezes, as duas coisas e acabamos por nos tornar, ou autônomos, quando optamos apenas pela obrigação, deixando de lado o espiritual, ou nos concentramos apenas naquilo que gostamos de fazer, o que também acaba trazendo problemas. É preciso haver um equilíbrio entre o ‘gostar de fazer’ e o ‘ter que fazer’. Eu me julgo uma pessoa de sorte, por ter podido juntar as duas coisas.”
Em seguida, para proceder à leitura de uma passagem do romance acima citado, foi chamada ao palco a atriz araraquarense Maria Alice.
Sila comentou sobre o incêndio que houve na Ku Si Mon e comprometeu boa parte das edições de seus primeiros livros, que acabaram sendo reeditados mais tarde: Eterna Paixão (1994), A última tragédia (1995) e Mistida (1997). Eram tempos de lutas internas. Depois da independência, os políticos, representantes de várias tribos e facções do país, se perderam em lutas de poder, que incluía, lamentavelmente, a repressão e a censura aos bens culturais, além de não permitir a necessária alfabetização da população guineense. Aos olhos de muitos, seus três romances se constituem numa trilogia sobre a história do país.
Falando sobre a guerra da independência, ele nos falou da sensação vivida pelo povo guineense: um misto de pequenez, no sentido político, e grandeza, no sentido do ímpeto para lutar pelo país.
De sua fala e das respostas às perguntas do mediador, fica a forte impressão de alguém que tem sua vida e sua literatura voltadas muito visceralmente para a construção de uma identidade para seu país e sua gente.
                A palavra foi passada, então, ao poeta angolano Zetho Cunha Gonçalves. Autor sobretudo de poemas, ele veio lançar, no Brasil, duas obras destinadas ao público infanto-juvenil: “Brincando, brincando, não tem macaco troglodita” e “Caçada real”, ambas pela Matrix Editora. Elas vêm se juntar a um lançamento anterior, também voltado para o mesmo público: “Debaixo do arco-íris não passa ninguém”.
Muito mais à vontade com a plateia, Zetho falou sobre as obras em lançamento, situando a primeira como reescritura de histórias populares de Angola, sendo que “Caçada real” tem como matriz a conhecida fábula “O leão e o jumento”. Como sinal de respeito pelo leitor, ele fala da necessidade da inclusão de um glossário de termos dialetais, como tem feito.  Como exemplo, mencionou “Mulemba” que é o nome de uma árvore sagrada de Angola, aquela que toda família tem plantada no quintal da casa, e em torno da qual os mais novos se reúnem ao redor dos avós para ouvir estórias.
Seguiu-se então a leitura de alguns versos de “Brincando, brincando, não Tem Macaco Troglodita”, na verdade um longo poema cheio de fantasias e associações inusitadas. Sob sua indicação, alguns poemas foram impressos e distribuídos entre os presentes, tendo ele optado por ler procedido à leitura de outros tantos.
Ainda com relação à poesia, Zetho também é da opinião de que poemas não se explicam, menos ainda pelo próprio autor. Quanto a sua poesia, que tem muito do popular, diz que procura manter aquilo que é próprio de sua tradição: a oralidade, a musicalidade. Logo, não se trata apenas da versão escrita da tradição oral, mas de uma apropriação da tradição oral para a feitura de novos textos poéticos.
Terminada a sua fala, o microfone foi franqueado à platéia.

Abdulai, diz-se que a literatura tem função estética, não educativa. Você acredita nisso?
A estética é fundamental. Tudo em nossa vida é repetido. Nós estamos aprendendo sempre. O contexto social é pouco favorável para a leitura, pois ela é um exercício que contempla a troca de ideias. É uma função, expõe a ideia a outro. Há uma vontade presente de moldar as coisas, de criar consensos na sociedade: o bom e o mal, o justo e o não justo. Numa história, há sempre uma lição: o mal é punido; o bem, reconhecido. Lemos um livro porque achamos beleza nele. Ainda estamos em busca de nossa identidade e é a literatura que nos une.

Zetho, como é que você se relaciona com sua poesia? Você escreve para um público específico?
Não. O autor não escolhe o público, nem o público o escolhe, e sim o texto que constrói o autor, pois o leitor é um escritor “à sombra da página”. [No caso, o autor aproveita para criticar a falta de circulação de livros em português entre os países falantes dessa língua e o recente acordo ortográfico.
Em suas falas finais, Abdulai agradeceu, expressando um desejo de uma relação mais ampla entre os países falantes do português, enquanto o extrovertido Zetho se mostrou grato pelo “tempo que não passamos namorando para vir ao Serão ouvi-los contar histórias”.
Gratos ficamos nós, um público que já se fez cativo do Serão Literário, pelo excelente bate-papo com os autores convidados.
Fiquem atentos às informações e venham participar do próximo encontro. Até lá.


Veja aqui as fotos.