segunda-feira, 9 de maio de 2011

Na abertura dos trabalhos, depois de apresentar o poeta Luis Serguilha e ressaltar a importância de sua presença entre nós, o coordenador do projeto Serão Literário aludiu à insuficiência do intercâmbio cultural entre Brasil e Portugal. Com seu acento lusitano, o convidado tomou como ponto de partida a fala do apresentador, aproveitando para enaltecer alguns autores que lutaram para que esse intercâmbio se intensificasse.
Em seguida, ele justificou porque só falaria da poesia em geral.
KOA'E, nome do livro que o poeta lança entre nós, também é o nome de uma cidade submersa do Havaí. Para ele, poesia também é isso: um terreno submerso. Mas é também o nome de uma ave da Indonésia, considerada uma espécie de tótem, que, segundo Serguilha, tem relação com o lado cósmico da poesia.
No seu entender, a poesia caminha para uma “homogeneização”. E há dificuldade em ousar e expandir a poesia para outras áreas. Por isso mesmo, ele pondera, sua poesia tem poucos admiradores.
Feitas essas considerações, o autor passou à leitura de seus poemas: Vadarak. Sua leitura, sua entonação, ele diz, pretende dar a perceber a musicalidade, a dança e a violência, elementos que considera essenciais para a poesia.
 Reafirmando sua ideia de que poesia deve se expandir em direção a outras formas de arte, ele comenta sobre atores que já leram e interpretaram esse mesmo poema, como Vera Barbosa.
Terminada a exposição e feitas algumas leituras de poemas, o microfone foi aberto às perguntas da platéia. À primeira pergunta que lhe foi dirigida, sobre se seus poemas demandavam a leitura em voz alta por parte do leitor, ele respondeu que sim, que isso permitiria uma volta ao arquipoema, ao poema em seu início, acrescentando ainda que há uma necessidade de “cantar e dançar” seus textos, que alguém já chamou de “partituras”.
No que se segue, tento reproduzir algumas das perguntas e as respostas a elas oferecidas pelo poeta.

Você diz que sua poesia não é para ser compreendida, que foi exatamente uma das críticas feitas ao Haroldo de Campos de “Galáxias”. Em resposta, Haroldo terá dito: “No futuro, minha poesia vai servir como mapa para as navegações espaciais.” Como entende essa afirmação?
Os poemas cartografam a ambivalência do ser humano. Shakespeare nos falou disso: o ser ou não ser. Eu vejo o poema como multifacetário, que mais destrói do que constrói, que cria  desastres, apenas porque é preciso sempre tornar a reconstruir.
Aproveitando o ensejo, as professoras Márcia Gobbi e Maria Lúcia tomam a palavra para agradecer a presença do poeta e comentar sobre a presença de poetas portugueses na Faculdade de Ciências e Letras, como Jorge de Sena ou Casais Monteiro. A professora Maria Lúcia comentou sobre a forte impressão que lhe havia causado a leitura feita por Serguilha, autor, segundo ela, de uma poesia forte, musical, moderna e órfica ao mesmo tempo, em diálogo com a tradição poética.
Foi o ensejo para que ele procedesse à leitura de mais uma “imagem” do livro em lançamento, seguida de nova abertura às perguntas da plateia.

Você nunca fala em “versos”, mas em “imagens”. Como situa a papel do poeta, como criador de imagens, num mundo que é inteiramente voltado para a produção e o consumo de imagens?
Fazendo uso do procedimento da montagem, o poeta produz conjunções de imagens que habitam o consciente e o inconsciente. Também como leitores, projetamos todas as nossas experiências no texto, assumimos também o papel de criadores, produtores de novas imagens, de novos textos.
O livro é isso mesmo: paixão, intensidade, desejo interminável, porque o homem não é fechado. Se fosse, seria um desastre. O homem é aberto ao cosmos. Tento fazer o homem falar com a natureza.

Tendo como ponto de vista a unidade cósmica, a homogeneidade não seria natural?
A arte é uma tensão entre contrários. A homogeneização causa involução, infantilização. Há a necessidade de criar desastres. Nunca atingimos a clarividência. O homem não tem preparo para aguentar isso, por isso cria simulacros. A arte cria simulacro atrás de simulacro, e é aí que talvez esteja a verdade. A homogeneização é fruto de muito ruído.

Há um escritor que diz que para criar é preciso ter dor, remoer as coisas muitas e muitas vezes. Nisso, o escritor fica sozinho. O que você acha disso?
Nosso corpo é dor. Nós só temos notícia disso quando dói fisicamente. A palavra é incicatrizável porque está dentro de um corpo incicatrizável. E é aí que está a dor. Não acredito em poesia de sentimentos, acredito em poesia feita de energia, e nela está contida a violência. Essa poesia de sentimentos não projeta a violência, a crueldade que está na poesia. Clarice escrevia como grito, que está dentro do corpo. Enquanto existir esse grito, eu mesmo não pararei de escrever. As pessoas fogem disso, têm medo de estar no centro de si próprias, vivem na periferia de si mesmos. É como se tivéssemos um monte de livros para ler e só os usássemos para enfeitar a casa. Os poetas que ousam, que atingem essa loucura, esses são reprimidos.

Você, quando declama, enfrenta ou dignifica a palavra que conquistou?
Eu vejo a palavra num processo de experimentação, numa ambiguidade absoluta. Nunca escrevo para o leitor. Escrever para o leitor é pensar nele, e isso não seria respeitar a palavra. A poesia é libertária, não está a serviço de ninguém, nem do possível leitor. A obra está aí e, se tiver consciências que se dignem a recebê-la, é bom, espero que haja muitas.

Como é a precedência de som e do sentido na sua forma de composição?
É difícil de explicar isso. É uma composição jazzística, como também é Bach, que, sendo barroco, mesmo assim possui um rigor imenso. Mas nas minhas imagens também há o tribal e o flamenco. Talvez essa sonoridade misturada seja projetada no corpo da poesia. Digo talvez, pois eu não consigo explicar. Essas coisas não se sabem.

Quando você sente que a imagem, a pintura que você está fazendo se esgotou?
Poesia é fogo construtório. Esse fogo construtório é interminável. Estes textos – diz, apontando para um dos volumes de KOE’A, sobre a mesa – seriam portadores de vários outros textos. Eles podem pode ser lidos em várias direções. É possível criar várias arquiteturas, várias leituras, isso é interminável.

 É tão envolvente seu trabalho! Quando é que você para? O texto para de provocar desejo, é isso?
O texto está dentro de mim, nunca sai de mim. Eu escrevo com o meu corpo. O corpo que cria desastres. O livro está a salvo quando se acha um leitor.

Antes do encerramento, Serguilha ainda acatou a sugestão de que o fizesse com a leitura de mais uma “imagem”. Do mesmo livro em lançamento, ele escolheu Hangar 7


Veja fotos do evento.

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